Desmascarado, por insustentável, e esgotado o veio dos argumentos da segurança do amianto "branco" brasileiro – a crisotila goiana, a grande produtora do mineral cancerígeno em nosso país, a SAMA do grupo Eternit, parte para o ataque, como se fosse a melhor defesa, ao anunciar que pretende, aumentar a produção de 220 mil para 260 mil toneladas de amianto por ano, haja vista as perspectivas de exportação principalmente para países ditos do terceiro mundo, um bolo que representa quase 70% das vendas de amianto in natura.
As vendas de 2004 os animaram, sobremaneira, pois o faturamento atingiu os 350 milhões de reais, alimentado por um crescimento de 15% na demanda de telhas. Recente notícia veiculada na imprensa nos dá conta de que "a Eternit deve levar muita fé na tropa pró-amianto que instalou em Brasília" . Diz-se que, para bom entendedor, meia palavra basta; uma frase inteira, então, é mais do que suficiente. Nós, brasileiros, que não "instalamos" tropas de choque em Brasília mas, ao contrário, elegemos, através do voto direto, um Presidente de origem operária e, em conseqüência, seus Ministros e todos os integrantes do Congresso, apenas esperamos que este conjunto Executivo-Legislativo, que forma nosso governo, julgue a questão não só pelo viés econômico, que prevaleceu nas políticas públicas e nas escolhas desenvolvimentistas feitas pelos nossos governantes até agora. Foi por isto que se buscou a mudança nos quadros políticos brasileiros, na "esperança" de que a eleição do Presidente Lula e de um Partido operário com bases sociais tão fortes e linha programática tão pragmática permitisse as mudanças necessárias que conduzissem a uma nova ordem sócio-econômica-ambiental. A prova de que esse ataque é a pior defesa encontra-se nos registros de uma história que não começou hoje. Como Auditora-Fiscal de Segurança do Ministério do Trabalho e Emprego, remontam ao ano de 1985 minhas preocupações com os casos de doenças relacionadas ao amianto, orientada pela regulamentação da Convenção 162 da Organização Internacional do Trabalho(OIT), aprovada em 1986, que trata dos aspectos legais a serem observados em ambientes onde existe exposição ocupacional ao amianto e que prevê a substituição do amianto, sempre que possível, por materiais comprovadamente menos nocivos à saúde. Posteriormente, participei da Rio-92, a Conferência para o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, onde aprofundei conhecimentos sobre a questão e travei relacionamento com os diversos movimentos sociais e ONGs que lutam contra os tóxicos industriais na Europa e América do Norte. Saí da Rio-92 convencida de que minhas desconfianças sobre o amianto estavam definitivamente confirmadas: seus males extrapolavam em muito os ambientes dos trabalhadores das minas e da manufatura de produtos com a matéria-prima cancerígena. Os consumidores, obviamente, não estão livres dos problemas com o amianto, tanto que entidades empresariais, como a Abrinq e o IQB-Instituto de Qualidade do Brinquedo e de Artigos Infantis, por exemplo, já se manifestaram totalmente contrárias ao uso do produto em equipamentos e brinquedos destinados às crianças. As entidades têm consciência do que representa aquela telha danificada de amianto nas casinhas de boneca para condomínios de alto luxo ou mesmo naqueles conjugados com balança e escorregador com cobertura de cimento-amianto, presentes na maioria dos edifícios de classe média ou em giz de cera e tantos outros artefatos de uso infantil. Outra área em que a conscientização contra os males do amianto é visível é o setor de autopeças, em especial o produtor de lonas e pastilhas de freios, em que a preocupação das empresas com a saúde e o ambiente vem de mais de uma década e que na sua quase totalidade já substituíram o amianto. Esta preocupação tem encontrado também eco nas oficinas mecânicas reparadoras destas autopeças, que já começam a orientar seus clientes para o consumo consciente. Outro setor empresarial que vem de longa data exigindo do governo uma posição responsável pelo banimento do amianto é o produtor de equipamentos de proteção individual como luvas, aventais, perneiras e equipamentos resistentes ao calor e às chamas para proteção dos trabalhadores. Em termos legais, nossa situação tem apresentado avanços e retrocessos. Lembro-me de que, logo após a Rio-92, o Deputado Carlos Minc do PT propôs projeto de lei de proibição do amianto no Rio de Janeiro, aprovado somente em 2001. Logo depois da conferência do BASTAMIANTO, em 1993, em Milão, ao qual participei a convite dos "Verdes no Parlamento Europeu", surgiu o primeiro projeto de Lei federal de banimento do amianto, de autoria do Deputado Eduardo Jorge. Mas, o poderoso "lobby" do amianto, em prazo recorde de menos de dois anos, conseguiu transformar esse PL em uma lei ainda vigente em nosso país que regulamenta o "uso controlado do amianto". Quando houve o banimento do amianto na França, em 1996, os Deputados Eduardo Jorge, que ainda era do PT, e Fernando Gabeira, na época com os Verdes, propuseram a reapresentação do Projeto de Lei para banimento no prazo de um ano, que tramita morosamente na Câmara dos Deputados e que já sofreu várias investidas da "bancada da crisotila", muito semelhante em métodos à "bancada da bala", que luta contra o desarmamento. A luta no âmbito de Estados e Municípios, portanto, tem sido enorme e estamos em compasso de espera para a votação da lei federal, pois por pressão dos produtores do amianto o Supremo Tribunal Federal(STF) tem equivocadamente entendido que a competência para o banimento do amianto é exclusiva do governo federal, não permitido a estados e municípios legislarem concorrentemente, como foi conquistado pela Constituição Federal de 1988 em matérias pertinentes à saúde e meio ambiente. Malgrado a situação em que hoje se encontram os nossos parlamentares, sob um véu de desconfiança generalizada da sociedade, confio, com todas as letras, que, embora as vítimas e ativistas anti-amianto não tenham recursos financeiros para fazer plantão permanente no Congresso e pressionar como lhes é de direito, como cidadã brasileira, eu tenho muita fé na "tropa anti-amianto" que estamos construindo nesta aliança com vários segmentos responsáveis da sociedade brasileira, que incluem desde empresários, sindicalistas, trabalhadores, vítimas, jornalistas e políticos sérios e confiáveis deste país. (*) Fernanda Giannasi é engenheira civil e auditora-fiscal de segurança do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego lotada na Delegacia Regional do Trabalho em São Paulo desde 1983. Coordena a Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto para a América Latina e ajudou a fundar a ABREA-Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto.